Epitáfio
Não me meças pelas minhas parcas virtudes natimortas.
A medida justa de mim são os vivos vícios,
a lascívia e os erros.
Não me meças nas palavras dos poucos amigos, podem ser fantasiosas.
A medida justa de mim é o ódio bruto e frio dos inimigos,
o silêncio e a indiferença sinceros.
Tampouco me meças pelo que deixei de herança. Só vergonha deixei.
A glória herdada e jogada aos porcos,
a lama e o lodaçal em que vivi, estes sim, são a minha justa medida.
Também não me meças pelas cicatrizes. Não foram heróicas.
A medida justa de mim é o caráter de um covarde,
a dissimulação de um fraco e a omissão de um tolo.
Tampouco me meças pela minha passagem na terra. Nada representou.
O ar que avidamente respirei, o pão que comi avaramente,
estes sim, são a minha justa medida.
Não me meças pelo homem que não fui.
Antes, medi-me pelo verme que me habitou,
pois esta é a medida justa de mim. U’a alma unicelular.
***
Censura
Quixotesca figura
a bater-se contra castelos de lodo
no lamaçal do ultraje.
Cada vez mais submersos
na areia-movediça da fama
é cão-danado. “-Todos a ele!”
Trituram-lhe o nome
em imaginários moinhos sociais.
O seu caráter reduzem ao pó
e cai-lhe a sólida persona. Máscaras...
Aristóteles do pré-sicuta
é Romeu despojado do veneno
não há ancoradouro neste cais
nem tangente para se sair
onde “navegar é preciso”
ainda que no limbo,
o mar seja de sangue
e o porto inseguro.
Carrega no ombro, como Atlas,
o peso de um mundo de tradições falidas
e fálicas traições.
Harpias em cada esquina lhe lançam
o veneno de seus sexos
negros e congelados.
Medonhos dedos tortos
da mesquinha e volúvel deusa
apontam-lhe o peito e proclamam:
-Culpado. Culpado. Culpado.
Não há apelação neste tribunal
cuja juíza, jurada e carrasco
é a Consciência.
Francisco Ferreira
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