Dilema
Como escrever poesia
ante as obrigações do dia-a-dia,
que nos vergastam com seus açoites
e se há também as obrigações das noites?
Como escrever poesia
se há que se ganhar o pão de cada dia,
com o essencial suor de cada rosto
e se há os gases, as dores e o desgosto?
Como escrever poesia
se se tem o trabalho que abençoa o dia,
os desejos de hoje, sempre e de outrora
e a dinâmica do passar das horas?
Como escrever poesia
se o cantar do galo anuncia o dia,
o despertador intermitente no horário
e a eterna defasagem do salário?
Como escrever poesia
se, a cada dia, é menos um dia,
se me aperta o sapato que calço
e a morte a espreita, no encalço?
Como escrever poesia
havendo a nostalgia do transcorrer dos dias,
mas se, somente ela me alivia,
como não escrever poesia?
***
Quinquagésimo Ano
Tanto mais me aproximo dos “cinquenta”,
mais turvados vejo meus horizontes;
a vida, como o sol, por traz dos montes.
em tom de crepúsculos se apresenta.
E a este temor sombrio se me acrescenta
esvaírem os dias quais águas nas fontes,
Que jamais retornarão às mesmas pontes,
Tanto mais me aproximo dos "cinquenta”.
Decerto, que melhor vivo e senil,
que vir a perecer na juventude.
Mas a idade traz desventuras mil
pois já não gozo um sorriso tão amiúde,
da alentada esperança juvenil
e me avisinho, dia a dia, do ataúde.
***
Gato Matreiro
Chuva no telhado.
Na sala, ronronar suave,
Preguiça de gato.
***
Operariado
A vida é curta
Para dias tão longos
De noites brevíssimas...
O peso do cansaço
Tenta abotoar meus olhos
De pálpebras flácidas
Mas, trabalhar é preciso!
A mulher com boca de capataz
Esgoela: “Carpe Diem!”
Vou carpindo minha sina de cavalo cansado
Escoiceando esta vida
Para garantir os puros-sangues do patrão – haras e harém –,
Cavoucando míseros trocados
Que “Seu” Político apelidou de salário.
Melhor recebê-los em sal
Para temperar a lida diária
Embora “Seu” Doutor tenha proibido.
A fome bate á porta,
O despejo ronda o barraco,
A doença invade em várias frentes
E a esperança desbotada
Já se mudou par debaixo do viaduto.
Então crio coragem
E envergando a couraça da cachaça vou à luta
Em noites brevíssimas
De dias tão longos
Para vida tão curta.
***
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